terça-feira, 6 de julho de 2010

A Londres de Guy Ritchie, pré Madonna


Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (Lock, Stock and Two Smoking Barrels)

e

Snatch, Porcos e Diamantes (Snatch)


Jogo, Trapaças e Snatch são praticamente idênticos. Ainda assim, excepcionais. Apesar de apresentarem a mesma estrutura, sempre com inúmeros personagens – um mais exótico do que o outro – e passear pelo mesmo tema – assaltos, dívidas, mafiosos e muita violência – Snatch é Jogos e Trapaças com muito mais classe, charme e humor. Após o sucesso do primeiro, realizado com míseros U$ 1,6 milhões, Guy Ritchie ganhou espaço na mídia, e em Hollywood. Ganhou também maior liberdade criativa, mais dinheiro (cerca de U$ 10 milhões, o que nem é tanto assim, considerando o grande elenco, que inclui o astro Brad Pitt) e abusou ainda mais da estética da câmera lenta. Enquanto Jogos, Trapaças transparece em cada cena o cinema independente e de baixíssimo orçamento, Snatch já apresenta um pé na indústria de Hollywood, mas sem perder o gostinho do undergroud londrino, cheio de ruas estreitas e sujas (sempre percorridas por velhas e suspeitas vans) e pubs freqüentados por gente de poucas palavras. Bom para nós, espectadores, ruim para Ritchie, o diretor, que ficou injustamente rotulado como o melhor imitador de Quentin Tarantino. Ou justo, pois sua tentativa no campo do romance, com o filme Destino Insólito – protagonizado por sua então mulher, Madonna – é risível e frustrante. Para tentar recuperar o prestígio, voltou ao tema de seus primeiros filmes com Revolver, outra pataquada homérica. Ritchie só conseguiu se reerguer com Rock’n Rolla, que, obviamente, segue o mesmo esquema de Jogos, Trapaças e Snatch. Deu certo, voltou aos holofotes e ganhou o comando de Sherlock Holmes, novamente flertando com o gênero que consagrou sua carreira, e com o estilo visual mais uma vez repleto de muita câmera lenta. Sherlock Holmes foi um sucesso, provando que Ricthie aprendeu com seus erros e está mais do que apto a comandar um blockbuster. Elementar meu caro Ritchie.


Os dois filmes, como vimos, trafegam pelo submundo do crime em Londres. Ruas e vielas sujas, pubs em decadência e bares iluminados com neon dão o tom da trama. Muito disso é real, desaconselhável para turistas desavisados. Outro tanto, porém, permite uma visitação tradicional. Se é que há algo de tradicional nos filmes – e nas locações – de Guy Ritchie. Um dos lugares que mais aparece em Jogos, Trapaças é o esconderijo dos ladrões de primeira viagem. Ele fica na região de Borough, próximo ao mercado de Borough, que aparece no filme O Diário de Bridget Jones, número 15 da Park Street. Vá, tire uma foto, e bata em retirada. E os bares: o “JD’s” – que pertencia ao personagem de Sting, pai de Eddie – e o “Samoan Jo’s”, onde o grupo aguarda o encerramento do jogo de cartas que dá início a trama, também existem, e podem ser visitados, cautelosamente. Claro que os nomes não são os mesmos que vemos nos filmes. O primeiro se chama Vic Naylor, e fica no número 40 da St. John Street, em Smithfield. O segundo é o mais-londrino-impossível The Royal Oak, número 73 da Columbia Road, esquina com Ezra Street. Aliás, pubs londrinos parecem ser o forte de Guy Ritchie. Em Snatch, Porcos e Diamantes, Ritchie nos brinda com mais dois endereços obrigatórios na cidade. O Ye Olde Mitre Tavern, espremido entre os prédios da viela que encontramos entre os números 8 e 9 da Hatton Garden, que é ainda-mais-londrino-do-que-se-imagina. Tente achá-lo, e saiba de antemão que seu happy hour é concorridíssimo. Imperdível. O último deles é outro clássico da cidade, o The Jolly Gardeners, número 49 da Black Prince Road, esquina com a Tyers Street. É aqui, sob o nome falso de “The Drowning Trout”, que ocorre o tiroteio na saída do banheiro masculino, após o acidente automobilístico mais esquisito do cinema. Esquisito no bom sentido, claro. Mas é bom lembrar que nenhum destes bares (pubs) está acostumado a receber turistas e mochileiros. Seu público é formado por londrinos chegados numa boa cerveja – na quantidade e na qualidade – que não estão muito dispostos a mostrar a direção das atrações turísticas da cidade, ou a estação de metrô mais próxima. Então, cuidado com o “aproach” nestes lugares. Mas não deixe de visitá-los. É pura atmosfera londrina.



Making off:
- Sting participa de Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes. Sua esposa é produtora executiva do filme. E os dois apresentaram o diretor à cantora Madonna, alguns meses depois;
- Na Inglatera, 2 anos após o lançamento do filme, foi feita uma série televisiva de mesmo nome, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes;
- Em Snatch, a música que "Bullet Tooth" Tony ouve no carro é "Lucky Star", da cantora
Madonna, que se casou com o diretor Guy Ritchie pouco após o término das filmagens de Snatch - Porcos e Diamantes;
- Vinnie Jones, ator que aparece nestes dois filmes, foi jogador de futebol na Inglaterra, chegando a jogar no Chelsea e no Leeds United, antes de se aposentar e “virar” ator de cinema.




Bônus

A Origem dos Pubs londrinos.



Um happy hour com os amigos? Pub. Ver um jogo do campeonato Europeu? Pub. Apenas ler o jornal? Pub. Ou aquela reunião para fechar um negócio? Por que não no Pub? O Pub – abreviação para Public Houses – é uma instituição sagrada na terra da Rainha. Quando o relógio marca 18:00, grande parte dos trabalhadores londrinos vai ao Pub para tomar uma cerveja. Só depois – após várias cervejas – é que se toma o rumo de casa. E não pense que lá se divide amigavelmente uma cerveja de 600 ml com os amigos, como se faz no Brasil. Nos Pubs londrinos, cada freqüentador pede a sua própria cerveja, normalmente servida num copo de aproximadamente 560 mililitros da bebida – ou pint – ou de 280 mililitros – ou half pint. Obviamente, cada londrino “absorve” alguns “pints” a cada novo happy hour.

Essa tradição já vem de muito tempo atrás. Muito mesmo, lá da época dos romanos, o povo responsável pela invasão e colonização da Inglaterra. Foram eles que construíram as primeiras tabernas e casas de vinho ao longo de estradas e dentro das grandes cidades. Os britânicos nativos adotaram – e adoraram – essa idéia, mas como sua preferência era a cerveja, foram então criadas as “alehouses” (ale, como eram conhecidas as cervejas britânicas), ou “beerhouses”. Com o tempo, algumas dessas ”beerhouses“ começaram a oferecer também alimentação e quartos para viajantes e comerciantes. Assim surgiram as “Public Houses”, carinhosamente apelidadas de Pubs. Os anos passam, e com eles os quartos e camas, dando lugar a mais mesas e balcões. A decoração chique, que utilizava madeira nobre, vidro e carpetes, também foi sendo incorporada, proporcionando aos freqüentadores dos agora Pubs, um ar nobre e requintado. Principalmente aos trabalhadores das fábricas londrinas, que encontravam nestes lugares o sossego e a elegância que seus trabalhos lhes tiravam.

O tempo passou e os Pubs viraram mania – e uma marca registrada – da cidade. Moradores locais e turistas dividem espaço – concorrido, diga-se de passagem – nos velhos balcões de madeira ou nas mesas redondas de antigos (alguns com mais de 400 anos) e novos Pubs. Na Inglaterra, hoje, soma-se algo em torno de 50.000 estabelecimentos. A maioria fecha entre as 23:00 e 24:00, e possui um sino para avisar seu fechamento. A primeira badalada quer dizer que se você ainda quer mais um pint, trate de pedi-lo imediatamente. A segunda badalada indica o fechamento do Pub. E não tem choro ou jeitinho brasileiro. Pegue suas coisas e vá pra casa. Lembre-se da pontualidade britânica.

Algumas características dos Pubs Londrinos merecem destaque. Na entrada – ou em alguma parede do lugar – pode-se encontrar as seguintes inscrições: Managed House, Tenanted (leased) Pub ou Free House. A primeira inscrição, Managed House, indica que o pub é de propriedade de uma cervejaria ou uma rede de pubs, que gerencia o negócio. O segundo, Tenanted (Leased) Pub indica que o lugar é de propriedade de uma cervejaria ou rede de pubs, mas tem o seu gerenciamento independente, com o proprietário apenas pagando uma taxa (licença) à cervejaria ou rede. O último, ou Free House Pub, quer dizer que o Pub não tem convênio com nenhuma cervejaria, comprando seu estoque onde bem entender. Outra curiosidade se relaciona aos nomes e as bandeiras de cada estabelecimento. Nenhum nome é escolhido ao acaso. Cada um tem uma história específica. Os mais velhos fazem alusão a era medieval, às cruzadas e aos tempos de Jesus, como o Saracen’s Head, Lamb and Flag, Ye Olde Trip to Jerusalem e Magna Carta. Já no século 18, quando os pubs ainda mantinham as cocheiras e os quartos para viajantes, seus nomes faziam referência aos serviços prestados, como o Coach and Horses e o Horse and Groom. E na época das ferrovias, já no século 19, nomes como Railway Arms e Station Hotel representavam o progresso que dava suas caras. Alguns outros nomes, como King’s Arms ou King-qualquer-coisa eram referências à época da reforma protestante, quando os reis adquiriram um poder extraordinário. Os proprietários dos Pubs, espertamente – e rapidamente – substituíram os nomes com referêcias católicas pelos nomes “reais”, por assim dizer. Cada nome tinha – e tem ainda – uma grande história por trás. Já as placas ilustradas que ficam penduradas na fachada do Pub vem de uma lei Real de 1393, que exigia que o estabelecimento que produzia e revendia verveja deveria manter uma placa indicativa em sua entrada, sob pena de perder o direito de comercialização. Como na época a maioria da população não sabia ler e escrever, a solução encontrada pelos proprietários foi colocar imagens que representassem seu nome e a qualidade da cerveja. Daí a presença de tantos reis, rainhas, duques, dragões e esportes reais ilustrando as placas e fachadas dos Pubs Londrinos. Hoje, constituem um detalhe indispensável a um bom estabelecimento.

História, tradição, cultura, charme e muita cerveja fizeram a fama e a mania das Public Houses entre a população da Inglaterra. Cada qual com suas características e decoração distinta, as mais variadas cervejas e um público específico, em sua maioria, freqüentadores fiéis que não trocam seu Pub por motivo nenhum. Alguns apresentaram dificuldade em se adaptar aos tempos modernos, com sucessivas crises financeiras e o avanço de grandes mercados oferecendo a bebida favorita dos ingleses a preços incomparáveis com os praticados nos Pubs. Mas a maioria resiste, para a festa dos britânicos e a alegria dos turistas. Por isso, na próxima vez que entrar num legítimo Pub Londrino, observe muito e beba mais ainda. Mas beba à tradição e à história. É ela que trouxe e mantém viva a mania pelos Pubs de Londres. Um Brinde! Ou melhor, cheers!

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