segunda-feira, 5 de julho de 2010

A São Francisco de David Fincher


Zodíaco (Zodiac)


David Fincher, o diretor, veio dos videoclipes. Vogue, da popstar Madonna, foi o mais famoso deles, e que provavelmente abriu suas portas para o cinema. Mas essa transição não foi muito celebrada. Logo de início, Fincher se viu no meio de uma briga de gigantes ao assumir o comando de uma franquia conhecidíssima do público, os filmes de ficção da série Alien, iniciada por Ridley Scott e com uma seqüência ainda mais elaborada de James Cameron. Alien 3 deixou muitos fãs decepcionados, principalmente pela mudança de estilo visual e o próprio andamento da história. Fincher jogou no lixo tudo que Cameron havia criado no segundo episódio, e praticamente começou do zero o terceiro capítulo. No meu entendimento, funcionou muito bem. O primeiro filme era inovador e tinha um estilo limpo, com bastante suspense. No segundo, Cameron levou a franquia para o lado da diversão, construindo um filme de ação de cair o queixo. No terceiro, a ação ficou em segundo plano, e o suspense voltou com força total, mas desta vez com um ambiente sujo, num planeta-prisão, onde não existiam armas. É inovador, plasticamente bem construído e já denunciava o estilo que o diretor viria a desenvolver mais tarde, em Seven, Os Sete Crimes Capitais (Seven) e Clube da Luta (Fight Club). Mas talvez não era o estilo que os fãs da franquia queriam ver na tela, principalmente após o sucesso do segundo capítulo.


O que veio depois, na carreira de Fincher, comprovou que o filme Alien 3, nas mãos de outro diretor, poderia ter sido uma catástrofe. O diretor tentou colocar o seu conceito na franquia, mas a intromissão do estúdio e produtores acabou por atrapalhar o resultado. Três anos mais tarde, e com muito mais liberdade criativa, Fincher lançou o filme que definiria o gênero policial dali em diante: Seven, Os Sete Crimes Capitais (Seven), com seu visual único, o suspense em escala ascendente e um final, ah o final, que deixou todos em transe, trouxe de volta a moral que Alien 3 usurpou. Depois vieram Vidas em Jogo (The Game), impressionante, porém pouco compreendido; Clube da Luta (Fight Club), o filme a frente de seu tempo; O Quarto do Pânico (Panic Room), mais comercial, porém ainda de bom tamanho; e por fim este Zodíaco (Zodiac), mais um filme sobre um serial killer, mas desta vez, um assassino real e que nunca chegou a ser capturado. Fincher, para desespero dos fãs, mudou totalmente o estilo que o consagrou e fez um filme muito mais lento do que de costume. Para alguns, demasiadamente longo e cansativo. Para outros, um magnífico trabalho de reconstituição de época e de fatos históricos, além de preservar o suspense mesmo quando se sabe o final da história. Fico com este último grupo. Mas sou suspeito porque sou fã de seus trabalhos.


Em Zodíaco, Fincher não quis mostrar corpos em decomposição ou uma investigação implacável capitaneada por detetives antagônicos, como aconteceu em Seven. Aqui, nossos olhos acompanham o repórter que recebeu a carta do assassino e tentou traduzi-la para a polícia. Não é um jogo de gato e rato, e sim um estudo minucioso da mente destes gatos, que sacrificaram suas vidas pessoais em busca deste assassino. Em certos momentos, a investigação torna-se um sacrifício incompreensível a um ser humano comum. Um trabalho que consumiu anos das vidas de todos os envolvidos, sem mesmo se chegar a uma conclusão satisfatória. E para retratar de forma convincente esta busca, o ritmo precisava ser mais lento, investigativo e documental. Não era uma busca cheia de ação, perseguições ou tiroteios. Era preciso muito mais calma aliada a altas doses de realismo para retratar este período. Exatamente o que se vê na tela.


Fincher chegou a conclusão que era preciso largar o estereótipo de diretor de filmes com final surpreendentes, os quais podem ao mesmo tempo lançar a carreira de um diretor as alturas, assim como jogá-lo no inferno se não apresentar projetos cada vez mais ousados. Zodíaco foi uma ótima saída, e serviu para demontrar que talento, independete de estilo ou gênero de filme, não falta ao diretor. Um final surpresa e um ritmo ágil nem sempre são garantia de um bom filme, é só conferir as seqüências intermináveis – e cada vez mais absurdas – de filmes como Jogos Mortais (Saw), que segume a risca a cartilha do diretor, mas sem a sua genialidade. Por outro lado, David Fincher na direção, pelo que podemos acompanhar até agora, parece ser sempre uma boa aposta.


As filmagens de Zodíaco em São Francisco duraram apenas 20 dias. Segundo o produtor Brad Fischer, a cidade é muito cara, e não seria viável e prático filmar tudo por lá. Até onde isto é uma verdade, não podemos saber, pois o filme anterior, Milk, foi rodado quase que inteiramente na cidade, também retratrando os anos 70 e 80, e ainda assim não ultrapassou a casa dos U$ 15 milhões. Zodíaco saiu por cerca de U$ 85 milhões. Mas, independente dessa diferença entre orçamentos, alguns pontos na cidade, representando os anos 70, podem ser identificados. É o caso do Red’s Java House, no píer 30 do distrito de Embarcadero. Um ótimo lugar para comer um hambúrguer com fritas, a um preço acessível e com um visual incrível da Baía de São Francisco. Se preferir outra comida, do tipo italiana quem sabe, pode-se comer muito bem no Original Joe’s, número 144 da Taylor Street, entre a Eddy Street & Turk Street. Este restaurante foi inaugurado em 1937 e fica na região de Tenderloin, conhecida por ser o local de moradia de muito imigrantes, operários, artistas e sem teto. Isso faz com que o aluguel de apartamentos, predominantemente pequenos e de apenas um quarto, seja bem acessível. Também por isso, será fácil encontrar comida barata na região, principalmente em restaurantes étnicos, como chineses, coreanos, tailandeses e italianos. Mas lembre-se, Tenderloin não é o que podemos chamar de um bairro turístico.


Ainda na cidade, outro local utilizado nas filmagens foi a First Streeet, entre a Howard e Mission Streets, na cena onde vemos o detetive Toschi e seu parceiro, sentados num carro quando recebem pelo rádio a notícia de que uma nova carta do Zodíaco, após 4 anos de silêncio, é entregue no jornal The Chronicle. Dali eles saem em disparada em direção ao jornal. Outro local onde a equipe passou, desta vez fora de São Francisco, foi o Lake Berryessa, no condado de Napa, um lugar famoso pelo cultivo de uvas que posteriormente são transformadas em vinhos, muitos deles premiados mundo afora. Ali fica a hoje conhecida Zodiac Island, o local exato onde um casal foi atacado em 1969. A mulher não sobreviveu, mas o namorado, seriamente ferido, conseguiu sobreviver ao ataque. O que chama atenção neste ponto é o realismo que Fincher queria colocar no filme. De 1969 a 2007, quase todas as árvores que estavam lá morreram. A produção então, como se fosse algo muito simples, plantou 24 árvores no local, cada uma medindo cerca de 15 metros de altura e pesando quase 6 toneladas. Todas chegaram de helicóptero. Tudo pelo realismo.


O Lake Berryessa é conhecido por outra atração, bem mais inusitada que a Zodiac Island, se isso for possível. O lago foi formado pela represa Monticello, e no local podemos encontrar vários hotéis e resorts, além de inúmeros grupos de praticantes de esportes aquáticos. O que é tão fora do comum, no entanto, é que o lago possui um ralo. Um não. O maior ralo a céu aberto do mundo, que serve apenas para escoar a água do lago sem passar pelas turbinas, quando o nível deste está muito alto. É proibido – e altamente desaconselhável – nadar nesta região do lago. Então não se esqueça, quando estiver conhecendo os vinhedos do famoso Napa Valley, não deixe de conhecer o maior ralo do mundo. Parece piada, mas juro que não é.


Making off:
- O roteirista Shane Salerno teve a preferência de compra do livro de Robert Graysmith quando tinha apenas 19 anos. Durante anos ele e Graysmith desenvolveram o roteiro do filme, até que os direitos de adaptação foram negociados com a Touchstone Pictures. Mesmo após a venda, Salerno escreveu várias versões do roteiro, encomendadas por diversas administrações da Touchstone;
- O orçamento de Zodíaco foi de US$ 85 milhões;
- As logomarcas da Warner Bros. e Paramount que aparecem no início do filme são idênticas as usadas nos filmes de 1969;
- O primeiro assassinato que Zodíaco cometeu não aparece no filme. O crime aconteceu no lago Herman.

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