quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Londres séria e marcante de Closer, Perto Demais


Closer, Perto Demais (Closer)


Com um currículo tão eclético quanto respeitável, incluindo obras memoráveis como A Primeira Noite de Um Homem (The Graduate) e Uma Secretária de Futuro (Working Girl), e outras nem tanto, como o esquisito Lobo (Wolf), com Jack Nicholson, e o mediano A Gaiola das Loucas (The Birdcage), Nichols fez de Closer, Perto Demais, um de seus melhores filmes. Se não o melhor, pelo menos o mais intimista, graças principalmente ao incrível roteiro de Patrick Marber, também autor da peça na qual o filme é inspirado. O enredo, que gira em torno de apenas quatro personagens, flerta com assuntos sérios com um charme nunca antes visto. Intimidade, infidelidade, honestidade, verdades e mentiras se misturam a interpretações magistrais de um quarteto afinadíssimo. Julia Roberts, Jude Law, Clive Owen e especialmente Natalie Portman dão um show de realismo e siceridade, que em certos momentos, deixa o espectador envergonhado diante de situações bastante íntimas exploradas a exaustão pelas lentes de Nichols. Em certos momentos, torcemos por um grito de “corta” do diretor. Ao invés disso, a cena é estendida ao máximo, apenas para desnudar os sentimentos de cada personagem. É adulto, sério e emocionante. E de brinde, o filme ainda traz uma trilha sonora impecável – tão eclética quanto o currículo do diretor – que inclui canções da brasileiríssima Bebel Gilberto. No entanto, o disco é dominado pela música que não saiu da boca do povo ao redor do mundo, a melancólica “The Blower's Daughter”, de Damien Rice, regravada em várias línguas, inclusive o português, com as vozes de Ana Carolina, Seu Jorge e Simone, intitulada “É isso aí”. Piegas ao extremo, mas na medida para as histórias contadas na tela.


Closer nasceu nos palcos da Inglaterra, e nada mais justo que, ao transpor essa difícil história sobre relacionamentos modernos para a tela grande, fosse mantida a atmosfera londrina, sóbria e muitas vezes fria, como palco para o desenvolvimento da trama. Londres e Closer são indissociáveis. Estão lá a frieza e a assepsia do London Aquarium (piso térreo da County Hall, Westminster Bridge Road, próximo a London Eye) e a efervescência cultural e turística das Margens do Rio Thames, principalmente na região conhecida como South Banks, que proporciona vistas incríveis de cartões postais da cidade, como o Tate Modern, British Airways London Eye, National Film Theatre e a Millennium Bridge. Ainda, na cena da exposição de fotos da personagem de Julia Roberts, o incrível átrio central de um imenso prédio que vemos na tela é o interior da Whiteleys, a primeira loja de departamentos de Londres, e que hoje abriga um moderno e luxuoso shopping Center. A Whiteleys fica na Queensway, bem pertinho da extremidade noroeste do Hyde Park. E por último, uma cena famosa, quando as personagens de Natalie Portman e Jude Law se encontram e se apaixonam, foi gravada no Postman’s Park, um belíssimo parque público da cidade. Ali, bem em frente ao Memorial to Heroic Self Sacrifice, um memorial dedicado a pessoas comuns que perderam suas vidas salvando outras, foi filmada a cena em questão. O Postman’s Park fica na Little Brittain, City of London, há apenas 300 metros no sentido norte da St. Pauls Cathedral. E o Memorial to Heroic Self Sacrifice tem uma história bastante interessante.


Making off:
- Natalie Portman pediu a Mike Nichols que retirasse da versão final de Closer - Perto Demais uma cena sua de nudez. O diretor atendeu ao pedido;
- Clive Owen interpretou o personagem Dan – vivido no filme por Jude Law – na montagem da peça nos teatros de Londres;
- Cate Blanchett chegou a assinar contrato para interpretar Anna, mas teve que desistir da personagem devido à sua 2ª gravidez;
- Recebeu 2 indicações ao Oscar, nas seguintes categorias: Melhor Ator Coadjuvante (Clive Owen) e Melhor Atriz Coadjuvante (Natalie Portman);
- Ganhou 2 Globos de Ouro, nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante (Clive Owen) e Melhor Atriz Coadjuvante (Natalie Portman). Recebeu ainda outras 3 indicações, nas seguintes categorias: Melhor Filme - Drama, Melhor Diretor e Melhor Roteiro;- a personagem de Natalie Portman tem um codnome, Alice Ayres. Este é um dos nomes que estão gravados nos azulejos do Memorial to Heroic Self Sacrifice.


Bônus

Uma visita ao incrível Memorial to Heroic Self Sacrifice, ou apenas, Wall of Heroes.

Atualmente, com um mundo altamente globalizado e conectado, onde as informações correm na velocidade da luz e praticamente toda a população tem em mãos uma pequena câmera de vídeo em seu aparelho celular, é cada vez mais fácil vermos imagens de gente comum arriscando a própria vida na tentativa de salvar a do próximo. Muitas vezes até sucumbe em meio ao ato heróico. Pessoas que são levadas pelas correntezas de uma enchente, desaparecem em meio a escombros de edifícios que desabaram ou mesmo tentando impedir atos terroristas, como no caso da tragédia do Vôo United 93, retratada no incrível filme de Paul Greengrass, já comentado aqui. Seus nomes, graças a essa tecnologia encontrada hoje, são lembrados por dias em jornais, revistas e até mesmo na televisão. Suas vidas se vão, mas para os familiares que ficam, essa lembrança – e de certa forma homenagem – serve para acalmar os corações vazios e em sofrimento, ainda que por apenas alguns breves momentos.
Pensando desta maneira, mas muito antes disso, em 30 de julho de 1900, nascia no centro de Londres, através das mãos calejadas do artista plástico George Frederic Watts, na época com 83 anos, o Memorial to Heroic Self Sacrifice, numa parede do lado de fora de um dos prédios que circundavam o Postman’s Park, devidamente coberta e calçada. Como nos dias de hoje, Watts sentia a necessidade de homenagear aqueles que sacrificavam suas próprias vidas na tentativa de salvar outras, que muitas vezes nem sequer conheciam. Pessoas que, sem este memorial, jamais seriam reconhecidas pela sociedade, desaparecendo do plano terreno e muito provavelmente, esquecidas para sempre.
O memorial fora planejado para abrigar cerca de 120 placas, todas pintadas a mão em azulejos brancos, gravadas com o nome do homenageado, acompanhado de um pequeno resumo de seu ato heróico. Na época de sua inauguração, em 1900, apenas 4 placas haviam sido instaladas. Vislumbrando um alto custo para a colocação de todas as 120 placas, Watts decidiu mudar um pouco a qualidade e o modelo dos azulejos, barateando assim o custo da obra. Até 1902, mais nove placas foram instaladas, e todos os nomes haviam sido selecionados pelo próprio Watts.
Em 1904, George Frederic Watts morre, deixando a conclusão dos trabalhos para o Heroic Self Sacrifice Memorial Committee, um comitê criado alguns anos antes para ajudar no andamento dos trabalhos do memorial, devido aos constantes problemas de saúde do Sr. Watts. No mesmo ano, a esposa de George, Mary Watts decide terminar a obra do marido, levantando fundos do próprio bolso para a colocação de mais 35 placas, com os nomes selecionados da antiga lista criada pelo próprio Watts. Em 1910, Mary Watts comunicou ao comitê que não tinha mais dinheiro para terminar o memorial, pois estava se dedicando a terminar a capela mortuária de George e a Watts Galery, ambas em Compton, Surrey. Ainda faltavam três fileiras de placas para concluir o memorial.
Anos se passaram, e poucas placas eram adicionadas. Na época da morte de Mary Watts, final da década de 30, o memorial estava completamente abandonado, e era totalmente ignorado pela população. Em 2004, Closer, Perto Demais tratou de devolver a dignidade ao Memorial to Heroic Self Sacrifice, filmando uma de suas cenas bem em frente às famosas placas de azulejos do Sr. Watts. Desde então, o local voltou a ser atração turística da cidade, e a partir de 2009, depois da colocação de uma nova placa (de número 54) em nome de Leigh Pitt – 78 anos após a última colocação – um homem de 30 anos que salvou uma criança do afogamento num rio da região, foi decidido que novas placas seriam adicionadas. Agradecemos a força do cinema por devolver o valor a uma obra de arte que nunca deveria ter sido esquecida. Muitos heróis, até então anônimos, terão novamente um lugar na história, e serão lembrados eternamente através de seus atos de coragem e altruísmo.

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