quinta-feira, 24 de junho de 2010

Paris de Bertolucci - O Último Tango em Paris e Os Sonhadores


O Último Tango em Paris (Last Tango in Paris) - ano de lançamento:1972


Os Sonhadores (The Dreamers) - ano de lançamento:2003


Os dois filmes mostram Bertolucci em épocas distintas. Em O Último Tango em Paris, a melancolia e a depressão predominam. A maior parte do filme acontece num apartamento tão sujo e vazio quanto a alma de seus personagens. Um romance às avessas, com muito sexo, poucos diálogos e um final trágico. Um filme para poucos, bem ao estilo, ame-o, ou odeie-o. Não há meio termo. Já no segundo filme, Os Sonhadores, Bertolucci parece muito mais leve, lírico e de bem com a vida. Seus personagens, adolescentes cheios de vitalidade e energia, nos levam a um mundo livre de tabus e preconceitos. Estamos no final da década de 60, em plena revolução estudantil, onde cinema e rock’n roll tinham tudo a ver. Na trilha sonora, Janis Joplin, The Doors, Jimi Hendrix e Bob Dylan, apenas para citar os mais conhecidos. O sexo novamente está presente, com cenas ainda mais picantes. Mas desta vez apoiado no liberalismo sexual da época e na curiosidade incisiva da adolescência. Envolvendo a trama, uma linda homenagem ao cinema. Uma cena, onde os três aparecem correndo pelos corredores do Louvre, tentando bater o recorde da mesma cena do filme Bande a Part, de Jean-Luc Godard, é especialmente linda. Bortolucci mostra que sabe o que faz, mesclando à sua sequência, pequenas cenas em preto e branco do filme original. Brilhante.


Em ambos, apesar da diferença conceitual, a cidade de Paris é o palco principal. E que palco. Uma simples caminhada noturna do trio de personagens de Os Sonhadores, às marges do Sena, bem perto da Passarelle Debilly, é tudo, menos uma simples caminhada noturna. Em O Último Tango em Paris, Bertolucci mostra incansavelmente a belíssima Pont de Bir-Hakeim, com suas colunas de ferro que seguram os trilhos da linha de metro, que conectam o XV e XVI arrondissement. Na extremidade norte desta ponte, região conhecida como Passy, fica o apartamento onde o intenso affair é consumado. No filme, o endereço é o número 1 da Rue Jules Verne. Mas esta rua não existe (pelo menos nesta região). O endereço correto é o número 1 da Rue de l’Alboni. E aproveite para tomar um café por ali mesmo. No filme, a personagem de Maria Schneider entra neste café para fazer um telefonema. O local hoje se chama Kennedy Eiffel Bar, e fica, obviamente, na Avenue Du President Kennedy.


De volta a Os Sonhadores, após a excelente abertura em close extremo da Torre Eiffel, onde acompanhamos os olhos do personagem de Michael Pitt descendo a Torre, vislumbrando cada detalhe, vamos atrás do mesmo, cruzando o Sena a pé, através da Pont d’léna, que justamente conecta a Torre Eiffel ao famoso Trocadero e o Palais de Chaillot. Como o filme atesta, era neste palácio que funcionava a Cinémathèque française, local muito freqüentado por jovens e cineastas da época. Inclusive, o pano de fundo que costura toda a história do filme, é a revolta estudantil causada pela troca de diretoria desta Cinémathèque française, num episódio que ficou conhecido como Caso Langlois. Após várias mudanças, este imenso arquivo do cinema ganhou uma casa própria, à altura, desenhada pelo famoso arquiteto Frank Ghery, o mesmo que projetou o Museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha, conhecido por seu esqueleto externo de latão. O prédio fica numa região conhecida como Bercy, bem no meio de um lindo parque. Estando lá, aproveite para conhecer a incrível passarela de Bercy (Passerelle Simone de Beauvoir), que conecta este parque com a Biblioteca Nacional da França ou BNF (Bibliothèque Nationale de France), e ainda um pequeno aglomerado de lojas e restaurantes conhecido como Bercy Village. Não estão no filme de Bertolucci, mas com certeza merecem uma visita. Um bom momento para exercitar o consumismo.


Mas dois pontos que estão no filme Os Sonhadores, ainda podem ser identificados na cidade. O Hotel, onde o personagem de Pitt está hospedado, fica entre dois pontos turísticos de Paris, O Jardim de Luxemburgo e o Panteão, bem no meio do Quartier Latin, o bairro dos estudantes, da bohemia e da Universidade de Sorbonne. O hotel se chama Hotel de Senlis, fica na Rue Malebranche, e é bem fácil de reconhecer através de sua fachada de madeira pintada de vermelho escuro. Outro local é o Restaurant Brasserie Le Valois, número 1 Place Rio de Janero, esquina com a Rue de Lisbonne, há cerca de 1 quilômetro do Arco do Triunfo. No filme ele aparece pouco, mas se você pensa num bom jantar, este é o lugar.


Bônus

Cinémathèque française ou Cinémathèque Henri Langlois?

Tudo começou nos anos 30, através do esforço de um homem apenas, Henri Langlois, um jovem apaixonado pelo cinema. Todo e qualquer cinema. Seu objetivo inicial era apenas preservar filmes antigos, salvando-os do esquecimento e do ostracismo. Langlois corria atrás de cópias de filmes mudos e objetos usados em cena (cenários, latas de rolos de filmes e até trajes usados em determinadas obras), bisbilhotando antigas salas de cinemas da época, mercados de pulga e muitas vezes, até em latas de lixo. De antigos filmes mudos, Langlois começou a guardar também exemplares de obras contemporâneas, que eventualmente eram jogados fora após certo tempo de exibição. Langlois não ficou sozinho por muito tempo em sua cruzada. Logo recebeu o apoio de um cineasta famoso, de nome Georges Franju, e iniciaram o primeiro cineclube de Paris, referência em Paris e na Europa, exibindo filmes e mais filmes em salas de leitura e até no apartamento da família de Langlois.
Quando a Segunda Grande Guerra começou, veio junto o pior perído enfrentado pela dupla Langlois e Franju. Hitler declarou que todo e qualquer filme feito antes de 1937 – além de filmes atuais que não representavam o pensamento nazista – deveriam ser queimados. Numa correria desenfreada, a dupla, com a ajuda de alguns amigos, contrabandeou uma imensa quantidade de filmes e documentos para uma região da França não ocupada pelos nazistas. Com o fim da guerra, tudo pode ser levado de volta a Paris. E desta vez, o governo da França resoveu apoiar a Cinémathèque française, liberanto uma pequena verba para a manutenção do acervo, uma sala exclusiva e uma equipe de trabalhadores. Langlois foi eleito presidente da Cinémathèque, e novamente pode organizar ciclos e mostras cinematográficas pelas noites de Paris. Cinéfilos, diretores e atores tinham novamente uma casa. Toda a nova onda (Nouvelle Vague) passou a frequentar a casa: Alain Resnais, Francois Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Roger Vadim, Jacques Donial-Valcroze, Pierre Kast, entre tantos outros.
Em maio de 1968 aconteceu o caso Langlois, bastante romantizado, por assim dizer, no filme de Bertolucci, Os Sonhadores, quando o então ministro da Cultura francês André Malraux resolveu demitir ninguém menos que Henri Langlois da liderança da Cinémathèque française, alegando deficiências de gestão. Esse fato originou uma verdadeira revolta pública, com protestos publicamente liderados pelo jornal Combat e pela revista Cahiers du Cinema, que recebeu manifestações de apoio de inúmeras figuras do cinema como Abel Gance, Alain Resnais, François Truffaut, Joseph Losey, Roberto Rossellini, Nicholas Ray, etc. Após declarações destes, e de muitos outros cineastas, de que se Langlois não fosse reconduzido ao cargo, nenhum deles faria mais um filme sequer na França, a cúpula do Ministério da Cultura voltou atrás. Longlois era, novamente, presidente da instituição que representava cineastas, atores e cinéfilos, mais importante de mundo. Sua obra fruto de sua intensa paixão pelo cinema.


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